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05 dezembro 2017

Cinquenta anos do Teatro de Arena.


Foto de Ramiro Furquim / Sul 21

Jovens atores formados pelo Curso de Arte Dramática da UFRGS, sob a liderança de Jairo de Andrade, realizaram a façanha de fundar o Grupo de Teatro Independente em 1966 e de – cerca de dezoito meses após – inaugurar a sua casa própria: aquele que seria um dos mais importantes teatros do Brasil.

A ousadia empreendedora do GTI revelou-se desde o início com a montagem itinerante de “A Farsa da Esposa Perfeita”, de Edy Lima. Deslocando-se de trem em direção à fronteira oeste do Estado, o grupo se apresentava nas várias cidades ao longo da via férrea; talvez uma façanha inédita em nosso país. Além disso, em 1967 – antes de “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, que inaugurou o Arena no mês de outubro – o GTI realizou no Theatro São Pedro e no Teatro Álvaro Moreyra (antigo Equipe) as montagens: “Ratos e Homens”, de John Steinbeck; “Esperando Godot”, de Samuel Beckett; Soraya Posto 2, de Pedro Bloch; “Um Elefante no Caos”, de Millôr Fernandes e “Um Demorado Adeus”, de Tennessee Williams.

A partir da instalação em sua arena, o grupo passa a atuar em todas as etapas da produção cênica a partir de uma tríplice preocupação: profissional, estética e política. Atores contratados, experientes diretores importados, refletores adaptados e montados no próprio Teatro que funcionavam a contento, venda antecipada de ingressos nos diretórios acadêmicos, parceria com a Casa Louro e outras lojas: a correta busca pela profissionalização.

A dimensão estética é contemplada pelo cuidado com as encenações e a criteriosa seleção dos textos. Buscam-se atores experientes e exige-se dedicação plena de todos, dando-se oportunidade aos talentos surgidos nos cursos. O diálogo com críticos e jornalistas é permanente. A musicalização dos espetáculos é confiada a Flávio Oliveira – compositor, professor e intérprete premiado e com experiência internacional. Jairo de Andrade sempre se preocupou em dar as melhores condições possíveis aos diretores, mesmo que isso, algumas vezes, implicasse prejuízo financeiro. Também por causa da escassez de recursos, algumas montagens não atingiram o nível desejado, fazendo com que os ensaios continuassem mesmo após a estreia. Numa montagem emblemática como “Mockinpott”, de Peter Weiss, em 1975, o diretor europeu José Luiz Gómez (trazido numa parceria com o Goethe-Institut) realizava ensaios diários que duravam até quinze horas e chegou a adiar duas vezes a estreia. O resultado estético compensou.

O enfoque político – resistência contra o autoritarismo governamental e a censura à produção artística – estava expresso nos textos escolhidos, nos debates realizados, na identificação com o pensamento democrático e de esquerda, na aproximação com as entidades estudantis, na solidariedade aos artistas perseguidos. Na denúncia de ações ridículas e absurdas. Exemplo do sequestro de velhas e inúteis carcaças de mosquetões, legalmente emprestadas pela Brigada Militar para uso cenográfico na peça “Os Fuzis da Senhora Carrar”, de Bertolt Brecht – ação de militares do Exército que invadiram o Teatro de metralhadoras em punho.

Os princípios que embasavam o trabalho do grupo estão expressos na publicação Teatro em Revista, lançada em 1968. No editorial do primeiro número da Revista – que tinha o jornalista Marcelo Renato como redator e o próprio Jairo como diretor – afirma-se o entendimento de que profissionalismo teatral é “não só buscar a sobrevivência econômica dentro da atividade do palco, mas a seriedade, honestidade e continuação de um trabalho que pouco a pouco vá consolidando a confiança e atenção do público”. Também nesse número, um artigo de Augusto Boal demarcava a posição do GTI/Teatro de Arena. “Dentro da esquerda, toda discussão será válida sempre que sirva para apressar a derrota da reação. (...) Reação é o atual governo oligarca, americanófilo, pauperizador do povo e desnacionalizador das riquezas do país... (...) são também os artistas de teatro, cinema ou TV que se esquecem que a principal tarefa de todo cidadão, através da arte ou de qualquer outra ferramenta, é libertar o Brasil do seu atual estado de país economicamente ocupado e derrotar o invasor, o ‘inimigo do gênero humano’...” Contra o chamado teatro digestivo: “Por que são tantos os grupos teatrais que se dedicam ao teatro apodrecido, teatro de mentiras, corruptor? (...) O povo e sua temática estão aprioristicamente excluídos. (...) Nossos artistas se atrelam aos desejos mais imediatos da corte burguesa, da qual são servis palhaços, praticando um teatro de classe, i.é., um teatro da classe proprietária, da classe opressora. A consequência lógica é uma arte de opressão.”

Por isso o Arena montou Dias Gomes, Sartre, Nelson Rodrigues, Bertolt Brecht, Plínio Marcos, Ésquilo, Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, o premiado “Mockinpott”, Ivo Bender, Teatro Jornal, César Vieira... Para fazer um teatro instigante, provocador, inteligente. Priorizando a temática dos injustiçados e dos oprimidos. Priorizando a temática da resistência.

No final de 1971 entra em cena Marlise Saueressig e o Arena inicia uma nova fase. Excelente atriz, Marlise recebeu o prêmio revelação em 1973 e o Açorianos de melhor atriz em 1977. No Festival de Cinema de Gramado de 1979 conquistou o Kikito de melhor atriz por sua atuação em “Os Muckers”, de Jorge Bodansky e Wolf Gauer. Durante uma década, Marlise dedicou-se totalmente ao Teatro de Arena como atriz, produtora e professora de linguagem corporal. Ela e Jairo percorreram boa parte do Brasil ministrando cursos e apresentado espetáculos do repertório do Arena. Além disso, junto com Carlinhos Hartlieb, foi responsável pela realização das Rodas de Som, de significativa importância na renovação qualitativa da música urbana rio-grandense.

Contudo, o Teatro de Arena passou por momentos muito difíceis. Foi perseguido política e economicamente, acumulando dívidas que levaram ao seu fechamento em 1980. Desativado durante nove anos foi, por pressão do meio cultural, adquirido pelo Governo do Estado e amplamente reformado para voltar a funcionar como teatro.

Por tudo isso é significativo que, neste 2017 quando o Teatro de Arena completa 50 anos, seu palco receba a bela montagem de Senhora das Armas, uma revisão de Gil Collares para o famoso texto de Bertolt Brecht, mostrando o atualíssimo drama da juventude negra assassinada nas favelas de nosso país.

Para isso o Teatro de Arena foi criado. Para produzir arte de qualidade em sintonia com o seu tempo e com o seu povo!

“O Teatro de Arena foi um lugar onde as pessoas lutaram pelo que acreditaram e tentaram ser felizes. Hoje estamos tranquilos porque sabemos que, com tudo o que passou, o Arena jamais vai deixar de ser o que foi na nossa época: antes de tudo um teatro.”

- Hamilton Braga é professor, produtor cultural e um dos fundadores do Teatro de Arena - para o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, RS. 

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